Geralmente quando falamos de vocação logo pensamos em sacerdócio, vida religiosa ou alguma outra consagração específica, mas qual será o motivo por não falarmos do matrimônio? Será que os esposos não receberam um chamado de Deus para se unirem? Será que não devem desempenhar uma missão na Igreja e na sociedade? Será que o matrimônio está somente num plano natural, como se fosse o estado de vida oficial dos não chamados? Pois bem, acho que o problema está no pouco conhecimento que se tem, em geral, sobre a vocação matrimonial. O matrimônio é uma vocação, é um chamado de Deus a algumas pessoas, e por ser um chamado tem sua finalidade, tem seus objetivos e seu papel.

Deus ao criar o homem e a mulher deu-lhes uma ordem: “crescei e multiplicai-vos” (Cf. Gn 1,28) e colocou na natureza humana o dom da sexualidade. Este dom, como naturalmente constatamos, por ser unitivo (doação mútua e unidade do casal) e procriativo (aberto à geração da vida) reclama, exige a estabilidade dos dois, a constituição de um lar, de uma família, que poderá assim sustentar a consequência natural inerente ao ato conjugal. Cristo Jesus elevou esta instituição, naturalmente constituída, ao grau de sacramento. Para guardar o precioso dom de serem cooperadores de Deus na geração da vida, o Pai estabeleceu a família e o Filho a sacramentalizou fazendo esta união indissolúvel. Por isso, o sexo fora da família, esta que para os católicos se inaugura na recepção do sacramento do matrimônio, foge da ordem estabelecida por Deus na natureza do homem e pela revelação.

A Igreja, analisando a ordem natural e guardando a revelação de Deus, aponta quais são os fins do matrimônio, indica a missão do casal, ensina para que foram chamados à vivência desta vocação. O matrimônio tem dois principais fins: a ajuda mútua que os dois devem se prestar e a procriação e educação da prole. São João Paulo II na Familiaris Consortio recorda que para este último deve se orientar o amor esponsal – “… o próprio matrimônio e o amor conjugal se ordenam à procriação e educação da prole…”(n.14); e por fim o matrimônio é também remédio contra a concupiscência.

Agora pensemos com maturidade e sinceridade: Será que nós, filhos da Igreja, nos demos conta desta importante missão conjugal? Será que os casais param para pensar que, mais que serem excelentes profissionais, mais que terem uma vida cômoda e tranquila, ou ainda, mais que serem exímios agentes de pastorais, eles foram colocados no mundo com a grande missão de, com responsabilidade, cooperarem com o Criador gerando vidas e educando-as na fé? Pois bem, um casal que tomou consciência da missão que recebera diante do altar de Deus, vai, como que um exército, orientar suas atividades e pensar em estratégias, para cumprir com empenho seu objetivo. Aí os valores são colocados nos seus devidos lugares: para quê, como e com qual intensidade trabalhar? Para quê e com quê medida se divertir? O quê e quanto possuir? A resposta última sempre será a família, o bem dela e a finalidade do chamado recebido.

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Neste momento de nossa reflexão poderia surgir um questionamento: Então um casal deve ter filhos sempre, sem medir as consequências e sem planejamento? Não! A Encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI comenta que pode haver “motivos sérios” para o espaçamento da gravidez – “que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores…”(n.16); é sabido que o mesmo documento magisterial adverte que o único modo de fazer isso licitamente, sem atentar contra a lei moral estabelecida por Deus na natureza humana, é o recurso aos períodos infecundos do ciclo feminino, sendo portanto, um grave pecado a utilização de qualquer anticonceptivo visando eliminar um dos aspectos intrínsecos da verdade do ato conjugal, o aspecto procriativo. O que parece claro na doutrina é que o matrimônio é um chamado, uma vocação; sua missão se ordena para a geração e a educação dos filhos e que, só não é negligente evitar a geração por “motivos sérios”. Neste último ponto que gostaria de refletir um pouco mais.

É comum, ao perguntar aos casais de noivos sobre os futuros filhos, recebermos a quantidade exata que pensam, geralmente: dois, três, no máximo… Porque a resposta não é: quantos pudermos ter? Parece assustador dizer isso, parece loucura! Hoje a sociedade doutrinou as consciências com a mentalidade anticonceptiva, a ideia de uma mulher que tem muitos filhos, que os educa e zela por sua casa é tida como uma ofensa a sua dignidade, soa como uma concepção machista e medieval. Atualmente a quantidade de filhos que tem um casal não se baseia na missão que receberam de Deus, mas sim no egoísmo; o filho é a realização individual, o herdeiro de um nome, de umas posses, de um estilo ou, até mesmo, o suplemento de uma carência pessoal. É certo que só o casal pode dizer se é ou não o momento de ter filhos, no entanto, este discernimento deve ser purificado de todo egoísmo, para que os “motivos sérios” alegados não sejam apenas motivos fúteis provindos do amor próprio e egocêntrico.

Todo casal católico deve pedir a luz divina para analisar se estão ou não vivendo autenticamente sua vocação, para ver se a quantidade de sua prole está sendo orientada pelo desejo de cumprir sua missão diante do chamado de Deus, ou ditada pela busca vaidosa de comodismos exagerados como: carros novos, aparelhos de última geração; ou por empreendedorismos profissionais desnecessários: possibilidade de mais horas de trabalho para receber cargos importantes sem necessidade, valorização do status profissional; ou ainda, por desejar evitar desgastes querendo a tranquilidade preguiçosa e a vazia despreocupação. Nesta análise o casal deve estar atento, pois muitas desculpas podem aparecer para o fechamento à vida, às vezes até com uma roupagem bem lógica e razoável, mas que no fundo só esconde o avassalador egoísmo: “não conseguiremos pagar a melhor escola da cidade para eles…”; “já temos mais de 35 anos, não temos mais paciência”; “não teremos condição de dar-lhes um carro quando fizerem 18 anos…”; “não poderemos pagar uma viagem para todos aos EUA em nossas férias…”.

Toda atividade do casal deve estar voltada para melhor desempenhar sua missão, que tem como orientação a geração de filhos e educação dos mesmos. A busca de crescimento profissional, a ascensão do salário deve dispor as condições materiais para desempenhar a missão familiar. O lazer e descanso devem ter como objetivo a convivência e o equilíbrio psíquico para a missão. A posse de bens precisa visar a qualidade de vida dos membros sem que a procura da aquisição do supérfluo feche a família à geração de novas vidas. Tais meios, por mais lícitos que sejam, não podem ser o fim da família, eles não podem fazer com que os casais negligenciem o chamado que receberam. Gerar os filhos que puderem, não significa ter filhos sem responsabilidade, o casal deve averiguar se tem condições para desempenhar o seu papel de pais, mas o fato de no momento não reunir os quesitos necessários não permite uma inércia, o casal deve travar uma luta para alcançar o patamar que precisa para realizar o que lhe foi confiado.

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“A vocação universal à santidade é dirigida também aos cônjuges…”(Familiaris Consortio n.56), nos lembra João Paulo II, e essa meta, a santidade, eles alcançam por meio da vivência autêntica de sua vocação. Por isso, se torna urgente o aprofundamento do conhecimento sobre a vocação matrimonial: o tema da fecundidade, do correto procedimento da sexualidade e as finalidades do matrimônio e, ao mesmo tempo, a motivação de se abrirem à conversão sem medo de deixarem para trás concepções que vão contra a doutrina da Igreja. Os cônjuges precisam suplicar a coragem de se lançarem nos planos de Deus, tendo confiança de que Ele só pede o que seus filhos podem dar, contando sempre com sua ajuda. Que a Virgem Maria, Mãe e Mestra, ajude-nos a vencermos o egoísmo e com amor obedecer sempre a Deus, cumprindo com atenção a missão que Ele dá a cada um dos seus.

Por Padre Matheus Pigozzo
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