Quando fui preso em 1975, um angustioso questionamento se apoderou de mim:” Poderei ainda celebrar a Eucaristia?” Foi a mesma pergunta que mais tarde os fiéis me fizeram. De fato, logo que me viram, perguntaram-me: “ Mas, o senhor pôde celebrar a santa missa?
No momento em que tudo veio a faltar, a Eucaristia passou a ocupar o primeiro lugar nos meus pensamentos: O Pão da Vida. “ Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,51).
Quantas vezes recordei-me da expressão dos mártires de Abitinas (séc IV), os quais disseram “Não podemos viver sem a Ceia do Senhor (cf. João Paulo II, 1998a, n.46).
Em todas as épocas, especialmente em tempos de perseguição a Eucaristia foi sempre o segredo da vida dos cristãos: o alimento das testemunhas, o pão da esperança.
Eusébio de Cesaréia recorda que os cristãos não deixavam de celebrar a Eucaristia nem mesmo durante as perseguições “todo lugar onde se sofria tornava-se para nós um lugar para celebrar[…] podia ser um campo, um deserto, um navio, um alojamento, uma prisão” […]. Quando fui preso, tive de ir imediatamente e de mãos vazias.
No dia seguinte deixam-me escrever para casa, pedindo coisas mais urgente: roupa, pasta de dente… Escrevi também: “Por favor, mandem-me um pouco de vinho, como remédio para minhas dores de estômago”. Os fiéis logo entenderam para que seria.
Mandaram-me um frasco de vinho para missa, com a seguinte etiqueta” Remédio para dores de estômago”, e algumas hóstias escondidas numa tocha para proteger contra a umidade.
A polícia me perguntou:
– O Senhor sente dores de estômago?
– Sinto.
– Aqui está um pouco de remédio para o senhor.
A minha alegria naquele instante foi inexprimível: todos os dias, com três gotas de vinho e uma gota d’agua na palma da mão, celebrava a missa […].
Todas as vezes tinha a oportunidade de estender as mãos e pregar-me na cruz com Jesus, de beber como ele o cálice mais amargo. Todos os dias recitava as palavras da consagração, confirmava com todo o coração e com toda a alma um novo pacto, um pacto eterno entre mim e Jesus, mediante o seu sangue misturado com o meu.
A eucaristia tornara-se para mim e para os outros que eram cristãos uma presença escondida que nos dava coragem em meio às inúmeras dificuldades. Jesus na Eucaristia era adorado clandestinamente pelos cristãos que viviam comigo.
No “campo de reeducação”, estávamos divididos em grupos de cinquenta pessoas; dormíamos sob o mesmo teto, onde cada um ocupava o espaço de 50cm. Conseguimos fazer com que estivessem sempre comigo cinco católicos. Às 21h30 era obrigatório apagar a luz, e todos devíamos dormir. Nesse momento eu me curvava sobre a cama para celebrar a missa, recitando tudo de cor, e em seguida distribuía a comunhão passando a mão por baixo do mosquiteiro. Chegamos até mesmo a fabricar saquinhos com o papel dos pacotes de cigarros vazios, para guardar o Santíssimo Sacramento e leva-lo aos demais. Jesus Eucarístico estava sempre comigo no bolso da camisa […] Na hora do intervalo, com os meus companheiros católicos aproveitávamos para passar um saquinho a cada um dos outros quatro grupos de prisioneiros: todos sabiam que Jesus estava em meio a eles. Durante a noite, os prisioneiros se alternavam fazendo turnos de adoração. Jesus Eucarístico era a ajuda inimaginável com a sua presença silenciosa: muitos cristãos voltaram a ser fervorosos na fé. […]
Assim a obscuridade do cárcere tornou-se luz pascal, e a semente germinou debaixo da terra, durante a tempestade[…].